Cervantes afirmou: “Salamanca faz com que todos aqueles que desfrutaram da agradável experiência de viver nela, anseiem regressar”. Uma cidade com um rico legado histórico e cultural, com abundância de arquitetura medieval, apelidada de La Dorada, pelos seus edifícios de arenito dourado que parecem brilhar à luz do sol. A sua Universidade foi durante séculos uma das mais importantes da Europa.
Passeio pelas ruas de Salamanca
Passeando pela Calle San Pablo encontram-se alguns dos edifícios a não perder na visita a Salamanca, como o Palácio de la Salina, o Palácio Orellana, a Torre del Clavero e a Igreja de San Pablo na Praça Colón, o Convento de las Dueñas e a imponente Igreja e Convento de San Esteban.








Pela Calle Compañía encontramos a Casa das Conchas, de estilo gótico, construída no final do século XV e a Universidade Pontifícia de Salamanca.


No último dia em Salamanca realizámos uma visita guiada às Catedrais Nova e Velha.
Catedral Nova
A ideia de construir uma nova catedral surgiu nos finais do século XV, devido ao crescimento da população da cidade, em consequência do auge e fama da Universidade, e a Catedral Velha tornou-se pequena para tanta gente.
No início do século XVI em 1509, D. Fernando II, o Católico, ordenou aos arquitectos Antón Egas e Alonso Rodríguez que desenhassem o traçado do novo templo. Felizmente, a antiga catedral não podia ser destruída, pois era necessária para o culto, e a nova foi projectada paralelamente à antiga em estilo gótico. A primeira pedra foi colocada em 1512, quando Francisco de Bobadilla era bispo de Salamanca e, em 1513, dá-se início à construção da Catedral Nova, dedicada à Assunção da Virgem, cuja construção foi interrompida durante grande parte do século XVII por falta de orçamento, tendo terminado dois séculos depois, em 1733, caracterizando-se por uma mistura de estilos gótico tardio, renascentista e barroco. A Catedral Velha foi preservada contrariamente ao pensamento inicial.
A catedral sofreu os efeitos devastadores do terramoto de Lisboa, que ocorreu dois anos depois, e a cúpula original de Joaquín Churriguera teve de ser reconstruída, obra que foi magnificamente realizada por Juan de Sagarvinaga, e a Torre Sineira reforçada.

O Portal da Natividade é a fachada principal, na qual o tímpano sobre a porta central representa as cenas do Nascimento e da Epifania, sob um magnífico arco ogival com as imagens do Calvário – Cristo crucificado que fecha o ciclo sobre a sua vida – ladeadas pelas efígies dos Santos Pedro e Paulo. Os outros dois vãos não têm decoração no tímpano.










Capela-Mor
No centro, a Capela-Mor, construída na segunda metade do século XVIII, sob um dossel de veludo, abriga uma imagem da Virgem da Assunção realizada em 1624 por Esteban de Rueda, um sacrário de jaspes e mármores de Gavilán Tomé, e as urnas de prata com os restos mortais de São João de Sahagún (padroeiro de Salamanca) e Santo Tomás de Villanueva. É encimada por uma sumptuosa abóbada policromada e dourada.


O Coro dos Cónegos, no centro da nave central, construído entre os séculos XVI e XVII (1710 e 1733), segundo os planos de Joaquín Benito e Alberto de Churriguera, é uma obra notável do estilo gótico e renascentista. O Coro alto e o Coro baixo de madeira esculpida retratam cenas bíblicas, figuras de santos e virgens e motivos decorativos que refletem a maestria artística da época.


No Coro existem dois orgãos: o da nave do Evangelho, de estilo barroco construído em 1744 por Pedro Echaverría, e o do lado da Epístola, de estilo renascentista, construído no século XVI, por Damián Luis.






Transepto

O transepto, situado entre a nave principal e o coro, destaca-se pela ornamentação elaborada e pelas esculturas que decoram os seus painéis. A imagem de Santa Maria do Perdão, feita em meados do século XVI, foi colocada no centro, e as de Santa Ana e São João Baptista, obras de Juan de Juni, foram colocadas nas laterais.





Outro elemento notável do interior da Nova Catedral de Salamanca é sua cúpula, que fica acima do transepto e é decorada com afrescos que retratam cenas da vida de Cristo e da Virgem Maria. Esta cúpula é um exemplo do estilo renascentista e é considerada uma das mais belas da Espanha.




As capelas na nave do Evangelho foram todas realizadas por Juan Gil de Hontañon.
Capelas da nave do Evangelho
A Capela de São Clemente, construída em 1661, tem um retábulo com pinturas da Virgem do Socorro e de São Clemente. Ao lado, a Capela de Santiago el Mayor e Santa Teresa de Jesús.



A capela de Santo António de Pádua tem um retábulo e uma imagem do santo franciscano, da segunda metade do século XVIII.



Capela do Cristo da Agonia do século XVI, frente ao sepulcro do bispo Francisco de Bobadilla, falecido em 1529. Foi ele quem colocou a primeira pedra da Catedral Nova.




Capela da Virgem do Pilar, com uma escultura gótica da virgem levando um pilar na mão direita e segurando Jesus com a esquerda.

Capelas da nave do transepto
Continuando a visita à catedral, chegamos às capelas da nave do transepto da capela-mor, com uma bela abóbada gótica, onde na Capela de Nossa Senhora da Solidão, com um lindo retábulo barroco de Joaquín Churriguera, uma equipa estava a arranjar cuidadosamente as vestes da Virgem.


Capela do Santo Cristo das Batalhas, com um retábulo barroco da primeira metade do século XVIII, de Alberto de Churriguera. O nome tem origem no pequeno Cristo crucificado, românico do século XII, que terá pertencido a El Cid e que levava o bispo Jerónimo nas suas batalhas contra os mulçumanos. Nesta capela também se encontra a Virgem do Carmo, obra de António de Paz.





Capela da Piedade ou de Nossa Senhora das Dores – fica junto à capela de S. José, separada por um gradeamento, com um retábulo neoclássico de Juan Sagarvinaga, coroado com a imagem de Deus e anjos. A escultura da Virgem, de Luis Salvador Carmona, data de 1760.



Capelas da Epístola
Continuando seguiram-se as capelas do lado da Epístola. A Capela de San Nicolás de Bari (abaixo) apresenta dois retábulos, um barroco dedicado a San Nicolás e outro neoclássico dedicado à Imaculada.

Capela do Nazareno – tem a melhor colecção de pintura italiana de toda a Catedral, com um retábulo de Cristo com a Cruz às costas e Verónica, de Carlo Maratta, e em cima Madalena penitente, de Romanelli. Nos arcossólios, “A Matança dos Inocentes” e a “Expulsão dos Mercadores do Templo”, atribuidos a Micco Spadaro, ambos os quadros recentemente restaurados.





A Capela da Virgen del Desagravio (Virgem do Desagravo), abaixo à esquerda, foi executada em 1664 como acto de expiação para albergar uma tela da Imaculada Conceição que tinha sido ultrajada pelos opositores do Dogma da Imaculada Conceição.


A Capela de São Bartolomeu, acima à direita, está rematada por uma pintura da Virgem com Jesus e São Juanito, de Luis de Morales.


A Capela Dourada, ou de Todos os Santos, é famosa pelo seu impressionante retábulo e pela requintada decoração dourada que lhe dá nome. Construída no século XV, em 1515, esta capela, obra de Juan de Álava, é um exemplo excepcional do estilo gótico, com um design que inclui colunas, arcos e 110 esculturas detalhadas representando cenas do Antigo e Novo Testamento, da Virgem e dos santos.



Capela do Presidente, com um precioso retábulo com detalhada talha dourada e pinturas de arte religiosa de Fernández Navarrete, século XVIII.




Catedral Velha
A Catedral Velha de Salamanca, ou Catedral de Santa Maria, foi fundada pelo bispo Jerónimo de Périgord. Construída entre os séculos XII e XIII, em estilo românico, é dedicada a Santa Maria de la Sede. De design românico em toda a sua extensão, o edifício é coberto por abóbadas, numa transição para o gótico, tornando a catedral numa bela mistura dos dois estilos. Desde o início da construção o templo foi projectado tanto para fins religiosos como defensivos, com um carácter marcante de fortaleza ameada, e um primeiro bastião defensivo teve que ser construído na torre sul. A igreja é de planta em cruz latina, com três naves, três absides e um transepto com cúpula. Parte do transepto foi destruído para a construção da Catedral Nova.



Torre do Galo – uma bela cúpula cuja construção ocorreu por volta de 1150, que possui um formato cónico e assenta sobre um tambor octogonal, com dezesseis colunas, iluminadas por trinta e duas janelas, e com decoração em escamas. É coroada pelo cata-vento em forma de galo, de onde vem o seu nome.



A Catedral Velha de Salamanca possui ainda a Torre Sineira, no lado norte, de planta quadrada, partilhada pelas duas catedrais de Salamanca e que possuía funções de vigilância, e a Torre Mocha, a sul, encimada com ameias que possuía funções de defesa. O terremoto que atingiu Lisboa em 1755 causou danos em toda a Península Ibérica e arruinou a Torre Sineira, que já havia sido danificada por um incêndio em 1705, pelo que teve de ser reforçada, ficando ligeiramente inclinada.

A fachada principal da Catedral Velha de Salamanca perdeu parte do seu valor artístico devido à grande remodelação que ocorreu no templo, durante o século XVII.
Capela-Mor
Na Capela-Mor, encontra-se o maravilhoso retábulo dos irmãos Delli, que ocupa o mesmo lugar para o qual foi originalmente projetado, e narra visualmente alguns dos principais episódios da História da Salvação, desde o nascimento da Virgem até sua coroação, tudo percorrido pelo Juízo Final. O retábulo é composto por cinquenta e três painéis, distribuídos em onze fiadas e cinco corpos ou alturas, com ordem estabelecida de baixo para cima e da esquerda para a direita. No quarto da esfera, o Juízo Final coroa o todo.




A imagem da Virgem de La Vega, do século XII, padroeira de Salamanca, é feita em madeira coberta de bronze dourado com incrustações de esmalte e pedras preciosas, fruto de doações dos salamangues. Preside o retábulo desde meados do século XX.



Aos pés de Jesus, vemos a Virgem Maria e João Evangelista de joelhos. À sua direita, os salvados vestidos de branco e, à esquerda, os condenados nus que parecem caminhar em direcção à boca de um monstro gigante. O altar de Santa Maria La Blanca, na parede lateral, tem por cima frescos dos 18 milagres do Cristo das Batalhas (abaixo).



Nas paredes laterais do retábulo, quer do lado do Evangelho, quer no da Epístola, encontram-se túmulos de personalidades ilustres e familiares de reis, alguns deles em arcossólio.
Capelas
A Capela de São Martinho, também conhecida como Capela do Azeite ( chegou a ser convertida num armazém de azeite), localiza-se na parte baixa da Torre Sineira do lado do Evangelho. A parede exterior desta capela possui uma pintura de São Martinho a partilhar o seu manto com um homem pobre. Mas o principal destaque vai para as bonitas pinturas góticas, adornadas com escudos dos reinos de Leão e Castela, da autoria de Antón Sánchez de Segovia, e para o falso retábulo em torno de uma imagem tridimensional da Virgem Theotokos. Além disso, é possível encontrar vários túmulos de bispos, nomeadamente do Bispo Rodrigo Díaz, de 1339, e de Pedro Péres, fundador da capela.

Sepulcro do bispo Dom Rodrigo Díez, de1339, em forma de arcossólio, com uma pintura mural da Adoração dos Pastores sobre os emblemas de Castela e Leão, um sarcófago com cena do sepultamento em relevo, sobre o qual repousa a figura reclinada em batina.


Na parede norte da capela, como se fosse uma tapeçaria, O Juízo Final, do século XIV. No centro, Cristo desce à terra numa auréola oval, em forma de amêndoa, cercado por anjos e serafins mostrando as feridas nas mãos, nos pés e no lado, um sinal de seu sacrifício pela salvação da humanidade. Está ladeado pela corte celestial, composta pela Virgem Maria e João Batista e pelos Apóstolos. Abaixo da imagem de Cristo, está colocado o altar com as insígnias Christi, ou seja, os instrumentos da Paixão: a cruz, a cana com a esponja embebida em vinagre, a lança, a coroa de espinhos, os pregos e o flagelo. Nas laterais do altar, dois anjos tocam as trombetas do julgamento, anunciando o Juízo Final. Sob o altar, está a multidão dos mártires. Na parte inferior da pintura, vemos representados, da esquerda para a direita, o Paraíso, o Purgatório, o Limbo e o Inferno – a descrição dos reinos da vida após a morte, separando os salvados dos condenados.


A imagem da direita possui um retábulo de têmpera policromada com um nicho central (onde existia uma abertura), que nos leva a imaginar a possível localização de uma talha de São Martinho, rodeado de anjos e nos extremos Santa Ana, São Joaquim, Jeremias, Isaías e Daniel. Mais uma vez, estão representados os emblemas de Castela e Leão, que à data da construção da capela já eram um só reino.
No exterior da capela, um mural evoca a lenda de São Martinho compartilhando o seu manto com um homem pobre.

A Capela de São Salvador ou de Talavera é a mais antiga de todo o claustro, não em vão foi a primeira casa capitular. Está coberta por uma cúpula octogonal com 16 colunas sobre as quais assentam as nervuras, formando um desenho estrelado com as suas cruzes, de clara influência islâmica (século XIII). Presidindo a capela está um valioso retábulo do século XVI, no qual uma imagem gótica da Virgem foi entronizada. No centro, está o túmulo contendo os restos mortais do fundador, Rodrigo Arias Maldonado, juntamente com os de sua esposa e família.





Capela de Santa Bárbara – foi fundada pelo bispo Juan Lucero em meados do século XIV, que está sepultado no seu próprio túmulo localizado na parte central. O retábulo, do século XVI, é dedicado à vida e ao martírio da santa e é de influência italiana. Destaca-se a decoração da mesa do altar, com azulejos de Talavera. Este retábulo renascentista ocultou as pinturas murais góticas do século XIV, que representam 15 cenas da vida da Santa que foram descobertas e inauguradas em 2020.


Na imagem abaixo temos outra perspectiva da capela, onde se pode ver do lado direito as pinturas murais também do século XIV, e do lado esquerdo o retábulo montado de maneira a poder deslizar e mostrar os murais.

As cerimónias de formatura da Universidade de Salamanca foram realizadas aqui até 1843. O estudante que ia fazer o exame de doutoramento tinha de passar a noite inteira fechado na capela. Se passasse no exame, saía pela porta principal da catedral, onde os seus amigos o esperavam e faziam uma festa, e se não passasse no exame, saía por outra porta, conhecida como a Puerta de los Carros ou Puerta de los Burros, onde não havia amigos nem festa.
A Capela de Santa Catalina, ou Capela do Canto por ser o local destinado aos ensaios do canto, foi fundada no século XII pelo Bispo Vidal e reformada e ampliada com mais duas secções no século XV, cobertas por uma abóbada nervurada para abrigar a biblioteca capitular. É a capela mais espaçosa de todo o claustro, onde a instituição catedralícia desenvolve inúmeras actividades.



A Capela de S. Bartolomeu ou Anaya é a última e uma das mais importantes da Antiga Catedral, pelas obras que nela se encontram. Entre outras, destaca-se a do mausoléu do fundador, no centro da capela, e um bonito retábulo renascentista.



Sepulcro de Don Diego de Anaya y Maldonado – Trata-se de um sepulcro sustentado por leões rodeados de relevos sob arcos – Cristo, Maria e Apóstolos. Acima, Don Diego de Anaya, arcebispo de Sevilha, reclinado, com um Calvário na cabeceira e um brasão aos pés, tudo em alabastro. É cercado por um gradeamento gótico do primeiro terço do século XVI, com alusões à morte e certos toques platerescos.


Nas paredes da capela há outros túmulos; de destacar os dois arcossólios, sob a tribuna do órgão, correspondente a Don Gutierre de Monroy y Doña Constanza de Anaya, falecidos em 1517 e 1504, respectivamente.

Alguns túmulos conservam as cores originais com que fora realizados.



A majestade da capela é completada pelo órgão, um dos mais antigos da Europa, com pinturas do escudo dos Anaya e uma Anunciação.



Transepto
O transepto sul, ou da Epístola, da Catedral Velha apresenta frescos com uma iconografia prógótica sobre a Ressurreição e o Juízo Final. Na parede do fundo, duas imagens simplificadas do Juízo Final por cima dos arcossólios de Dona Elena de Castro e de Dom Aparicio Guillén.


Antes de terminar a visita às Catedrais ainda vimos este bonito arcossólio do século XVI, de Gutierre de Castro, realizado em mármore, com uma bela escultura em arenito policromado, de um lamento sobre Cristo morto, de enorme dramatismo, atribuído a Juan de Juni.

